Dicas de Saúde

Dor nas costas

Aprendi, na faculdade, que a lombalgia era considerada como “o mal do século”. Fiquei intrigado pelo assunto, pois não sabíamos se a quantidade epidêmica de pessoas relatando “dor nas costas” era devido a um grande aumento do número de casos nas últimas décadas ou devido outras razões como, por exemplo, uma melhoria fantástica na qualidade do registro e publicação de observações médicas que tivemos neste século. Já cheguei a esta resposta e você vai entender no decorrer deste artigo.

Ainda estudante flagrei-me justificando ao paciente como principal causa da sua dor nas costas o fato, por exemplo, de ter aumentado de peso. Com uma fisionomia inteligente eu dizia: “ Como pode uma coluna agüentar isto !”, ou por ser magro de mais “Não há massa corpórea para a sustentação da sua coluna !”, ou por ser sedentário “ Meu caro, falta tônus muscular para o equilíbrio músculo-esquelético !”, ou por ser atleta “Existe uma sobrecarga sobre a sua coluna !”, ou quando o indivíduo era muito alto “Você provavelmente se curva muito para a frente !”, e o baixinho … “seu sapato com salto é muito alto e está lhe prejudicando !” …  opa ! … Tem algo errado aí. Todo mundo pode ter dor nas costas ? Reconheci que os conceitos que eu havia aprendido estavam inadequados à realidade.

Apesar da certeza que temos da influência genética na “qualidade” da coluna e da colaboração de fatores externos como obesidade, sedentarismo, etc deveriam existir outros fatores importantes na gênese da dorslagia. Nos últimos 15 anos muito evoluímos na identificação destas outras causas e na busca de soluções mais adequadas. Sabemos que a “hérnia-de-disco” nada mais é que a pontinha de um iceberg do processo degenerativo dos discos intervertebrais. Estes discos separam uma vértebra da outra. São uma estrutura fibro-elástica que é preenchida com uma espécie de gelatina. Assim permitem que nossa coluna curve-se para frente, para trás, para os lados e faça uma ligeira rotação (você pode buscar mais informações em qualquer enciclopédia ou no Google). Quando estão doentes ou “degenerados” são capazes de permitir movimentos impróprios ou bloquear aqueles considerados saudáveis. Assim modificam a biomecânica da coluna podendo acarretar quadros bastante dolorosos.

O quadro doloroso mais comum é a “contratura muscular reflexa”. Isto acontece quando, involuntariamente, contraímos a musculatura que temos ao redor da coluna na tentativa de estabilizá-la. Imagine que os discos fossem as porcas e parafusos que prendem a estrutura de aço de uma destas antenas enormes de retransmissão de TV. Se, por alguma razão, eles afrouxassem, teríamos que imediatamente tensionar aqueles cabos de aço que se esticam por suas laterais e que equilibram as torres, senão desabariam. Os músculos fazem a mesma ação. Tentam segurar uma coluna que teve seus discos afrouxados.

Em outros casos o núcleo, que é gelatinoso, encontra uma brecha na estrutura fibrosa danificada do disco e “escapa” para fora e é chamado de `hérnia discal´. Quando este “escape” acontece sobre a raiz de um nervo ou da medula a dor pode ser inimaginável.

O organismo tende a absorver o disco destruído, inclusive as hérnias. Quando este processo acontece muito rápido, pode haver um aumento de pressão na área onde normalmente uma vértebra somente tocaria na outra (facetas articulares). Isto pode causar uma artrite (inflamação) ou artrose (degeneração) desta área e, conseqüentemente, dor.

Como vimos, nestes poucos exemplos, a “dor nas costas” pode ser causada por vários mecanismos e o diagnóstico preciso é fundamental para escolhermos o tratamento mais adequado. Não adianta sairmos tomando antiinflamatórios se a causa da dor é uma contratura muscular e nem tomarmos um relaxante muscular se a dor é inflamatória. Nem um, nem outro, pode ser eficiente no tratamento da dor por artrose entre as vértebras. Um “coquetel” de medicamentos terá mais poder de intoxicação do que tratamento. Portanto, procure seu médico antes de tentar automedicar-se – infelizmente isto é um hábito comum no Brasil.

O médico deve dar o diagnóstico e a conduta terapêutica adequada. A cirurgia é indicada somente naqueles raros casos em que a terapêuticas clínicas não surtiram efeito ou o paciente está sob risco de seqüela grave – o que é muito infreqüente, mas acontece. A cada ano os laboratórios sintetizam novas drogas, mais eficientes e menos agressivas a saúde, diferente da época em que contávamos somente com antiinflamatórios e cortisona (que também é um antiinflamatório potentíssimo). Mesmo assim prefiro utilizar o método mesoterápico por considerá-lo mais rápido, eficaz e menos tóxico. Este tratamento consiste da injeção de micro-doses de medicamentos, na pele, somente na região afetada. Alguns pacientes consideram as micro-injeções um pouco dolorosas, mas o efeito positivo costuma sobrepor-se às picadas. Apesar de não ser minha especialidade, admiro muito os médicos que conseguem aliviar a dor e contratura muscular do indivíduo com acupuntura, pois não utilizam qualquer droga.

A fisioterapia é uma grande aliada no tratamento das dorsalgias. Não costumo indicar tratamentos com aqueles aparelhos elétricos ou eletrônicos tipo ultra-som, ondas-curtas, etc. Também não utilizo técnicas passivas como mesas ou capacetes de tração. A fisioterapia deve sempre visar o recondicionamento músculo-esquelético da coluna. A cinesioterapia é muito útil na fase aguda da dor mas, hoje em dia, estão cada vez mais popularizadas algumas técnicas como o GDS, Osteopatia, Gyrotronics, Cadeias Musculares, Léo Busquet, Fedelkais, Rolfing, Pilates e RPG que eram pouco ascessíveis há menos de 10 anos. Estas educam os movimentos saudáveis e adequados e todas tem qualidades a acrescentar ao tratamento da dor na coluna. Tanto que um método maravilhoso de tratar males da coluna, inclusive em indivíduos paraplégicos, é a equoterapia – ou seja, cavalgando. Sim, cavalgar, com orientação médica e fisioterápica especializadas é terapêutico.

Como tudo em medicina, a prevenção é a melhor solução. Pelos registros históricos, a dor lombar escala progressivamente com a revolução industrial, o que levou-nos a concluir que os gestos laborativos fossem os grandes vilões das doenças músculo-esqueléticas. Não é bem assim. É claro que uma postura improvisada no trabalho haverá de causar danos ao indivíduo, mas grande parte da população sofre do mesmo mal mesmo sem improvisos. Assim como a obesidade e sedentarismo não podemos provar que estes são a grande causa dos processos dolorosos. Acredito que, junto com a industrialização do planeta, a educação escolar também foi popularizada. Há 150 anos as crianças podiam levar horas caminhando diariamente para a escola, além de não terem dezenas de opções ex-curriculares. Atualmente as crianças também podem levar horas para ir para a escola, mas dentro de uma condução – sentadas. Ficam horas estudando – sentadas – e tem grande parte de seu laser em frente de uma TV ou computador – sentadas. Por mais atividades que às introduzimos, como judô, futebol ou natação elas estarão muito aquém do nível de atividade física de antigamente. Não adianta criarmos superatletas. Temos apenas que tirá-los das cadeiras (fig 01).

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Curiosamente algumas populações indígenas, que mantém hábitos que consideramos “primitivos” sofrem muito pouco deste mal. Alguns culpam seus colchões por sua dorsalgia – para felicidade da indústria – mas os índios dormem em redes. Os camponeses do interior da China e Tibet também apresentam índices baixos de dor nas costas – dormem em tatames de palha e carregam cestas pesadíssimas nas costas. Sou aficionado do snowboard 4 e montanhismo5 a população Sherpa6 raramente queixa-se de dor nas costas. O que é que estas populações têm em comum ? Raramente sentam em cadeiras. Inclui-se aí sofás, poltronas, carteiras escolares, automóveis e outros.

Então, como havia prometido no terceiro parágrafo deste artigo, além da grande evolução tecnológica na divulgação dos conhecimentos científicos no último século, respondo a questão dizendo que acredito que hábitos mais saudáveis haverão de diminuir a incidência de dor nas costas das pessoas.

Como já citei, a genética está associada à saúde da coluna, assim como para todo o aparelho músculo-esquelético (ossos, tendões, músculos, articulações). Infelizmente, nestes não podemos atuar – apesar da engenharia genética, isto ainda vai levar um bom tempo. Contudo fatores ambientais são grandes colaboradores de duas causas básicas de dor nas costas: 1- dor aguda por utilização inadequada eventual; 2- dor crônica pela aceleração do envelhecimento natural da coluna de cada indivíduo.

A primeira é causada por gestos que não estamos habituados a fazer e nos pegam de surpresa (espasmo muscular). Como tentar pegar um objeto pesado apesar de mau posicionamento.  Apesar de não ser a causa mais freqüente de dor nas costas, as orientações de como devemos evitar tais crises são as que mais comumente encontramos em cartilhas, livros e apostilas escolares. Acredito que na maioria dos casos a pessoa ficou mal posicionada para pegar uma criança no colo, levantar uma caixa ou para tirar e colocar diversos objetos de seu armário (exemplos freqüentes no consultório), justamente por seu mau preparo físico. A falta de alongamento e de tônus na musculatura das costas, pernas e braços às vezes nos obriga a fazer movimentos totalmente antifisiológicos. Aí vem uma crise que pode acontecer imediatamente, ou ao acordar-se na manhã seguinte, com a sensação de “travado”. Apesar de ser uma dor lancinante, estes episódios geralmente cedem com exercícios de relaxamento ou medicamentos.

Sugestões: mantenha um bom hábito de alongar-se e faça exercícios regularmente. Espreguice longamente após qualquer período prolongado em uma mesma posição, seja dormindo ou trabalhando. É saudável e necessário para qualquer bicho, inclusive ao homem. Observe como gatos, cachorros e até passarinhos se espreguiçam ao acordar. Por isto, reserve alguns minutinhos do seu dia de trabalho para alongar-se, sem dar um show aos seus colegas é claro. Pelo contrário, estimule para que todos também façam. Troquem idéias sobre o assunto. Todos sempre têm informações para serem compartilhadas. Hábitos simples assim podem ser mais agradáveis e revitalizantes do que “dar uma paradinha para um cafezinho”.

A segunda, que é a mais importante, tem incidido de forma alarmante na população em geral. O crescimento é exponencial nas últimas décadas. Com o avanço tecnológico estamos cada vez mais hábeis para fazer diagnósticos precocemente. Então podemos observar camadas cada vez mais jovens da população com sinais degenerativos da coluna. Como escrevi na coluna anterior, esta é a causa primária de diversas afecções da coluna como a hérnia de disco, síndrome facetária e artrose. Eu já tive o desprazer de flagar a Ressonância Nuclear Magnética de dois meninos de 14 e 16 anos, com um processo degenerativo inesperado antes dos 40. Se nossos ligamentos e músculos perdem sua capacidade de sustentar a coluna, este processo é acelerado. Sem qualquer influência política ou filosófica, posso afirmar que uma das maiores causas são os nossos hábitos ocidentais industrializados e consumistas.

O conforto custa caro, mas não é tão bom assim. Devemos evitar ficar sentados o dia inteiro. Coloque na ponta do lápis quantas horas por dia você senta. Mas deve somar tudo: o café da manhã, no toilette, no carro ou no ônibus, no trabalho, no almoço, no curso, na academia (ergométrica, cadeira extensora, etc), no cinema e teatro, no seu computador e na TV, no jantar, etc. Para piorar as coisas, onde você costuma ficar mais tempo (como no trabalho, TV e computador) seu acento é, geralmente o mais ergonômico e confortável. Sua musculatura e ligamentos da coluna ficam horas sem trabalho ! Com o passar do tempo ficam hipotônicos e impotentes frente às necessidades fisiológicas. “Será que entendi direito ?” alguém deve estar dizendo, “quanto mais confortável pior ?”. Sim, pois como ficamos sentados a maior parte do tempo o conforto virou nosso vilão. Quanto mais relaxamos nossa coluna mais permitimos a “translação” vertebral. Causando o processo degenerativo dos discos (fig 02)

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Sugestões: evite sentar-se em cadeiras que tenham encosto. Prefira os banquinhos (com uma altura adequada aos seus joelhos). Evite poltronas que acomodem perfeitamente sua coluna como um carro esportivo. No início você vai se cansar, mas, ao invés de desistir, faça exercícios para que cada vez você tenha mais tônus para agüentar-se assim. Um bom exercício é feito sentando-se sobre uma bola de borracha (grande com uns 50 ou 60 cm de diâmetro) e rebolar com a cintura para os lados e para frente. Aos poucos o ato de sentar-se será um exercício saudável. Outra dica é que as nádegas não foram feitas para sentar, mas para permitir a flexão das coxas sobre o tronco. Devemos sentar sobre nossas coxas. A pressão deve incidir ali, de preferência com o bumbum levemente empinado para trás. Substitua, dentro de sua possibilidade o transporte sentado pela caminhada. Evite o elevador – sem brincadeira. Na sede da Siemens na Suécia, que tem 8 andares, em observação de 20 anos, um grupo que não utilizou elevadores teve menos complicações de saúde do que os “normais”.

Se seu preparo físico não for o suficiente para agüentar estes hábitos, procure um professor de educação física para ajudá-lo, mas valeu ver como as coisas andavam ruins e você nem percebia. Caso você sequer consiga manter-se assim por alguns minutos, procure um fisioterapeuta e faça algumas sessões de cinesioterapia (alongamentos e reforços orientados) ou alguma técnica mais educativa como o GDS, Leo Busquet, cadeias musculares. Caso a tentativa provoque dor, procure um Ortopedista ou um médico Fisiatra. Eles investigarão as possíveis causas do desconforto ou dor, e orientarão o tratamento. Por último, se você considera impossível mudar seus hábitos, inicie alguma técnica educativa como o Gyrotonics, Pilates ou Feldenkrais. Na nossa sociedade de consumo é perfeitamente aceito que paguemos para fazer aquilo que deveria ser corriqueiro, como caminhar (… esteira).

Mitos e crenças populares

Nadar é bom para a coluna ?  É maravilhoso. Justamente por não estarmos em contato forte com o solo e não termos superfície firme para apoiarmos os braços todo esforço é concentrado em nosso eixo principal: a coluna. Isto mesmo: natação exige muito da coluna e, por isso, reforça-a bastante. Mas pouco desenvolve equilíbrio fisiológico (propriocepção) para as situações “fora-d’água”. Portanto é um dos melhores exercícios para a coluna, quando combinada com atividades no seco também. Só deve ser feita por pacientes que já tiveram alívio da dor nas costas ou sob supervisão/orientação de terapeuta durante a crise.

Devemos usar colchão macio ou duro ?  Não sendo um daqueles que “afundam” quando alguém deita e a coluna sendo saudável: qualquer um. No capítulo anterior, eu citei como os orientais dormem em colchões de palha, os índios sul-americanos em redes e a incidência de dor nas costas é rara. As pessoas tendem a achar que o colchão é o culpado por acordarmos de manhã com dor. Como citei anteriormente, este é apenas um sintoma de agressões que fazemos no cotidiano. É importante que o colchão tenha uma camada de 3 a 5 cm de espuma macia para adaptar-se às nossas protuberâncias ósseas e não machucar. A dureza deve ser escolhida de maneira que não deforme demais com o nosso peso, mas fique confortável. Por ser um produto caro e duradouro, acredito que todo colchão deveria ter um “test-drive” (seria legal!).

 

*1: Dorsalgias: dor na coluna vertebral (geral).
*2: Lombalgia: dor na coluna lombar (altura da cintura).
*3: Cervicalgia: dor na coluna cervical (altura do pescoço).
*4: Snowboard: é uma espécie de surf nas montanhas com neve.
*5: Montanhismo: esporte que visa atingir o cume de montanhas ou atravessar trilhas por entre elas, sem, necessariamente,  fazer escaladas livres como no alpinismo.
*6: Habitantes do Nepal que vivem nas montanhas do Himalaia e costumam ser contratados para carregar os suprimentos dos alpinistas montanha acima – principalmente o Everest.